sexta-feira, 31 de agosto de 2012

A FARSA DE PILTDOWN




Piltdown foi um sítio arqueológico localizado na Inglaterra onde, em 1908 e em 1912 foram encontrados fósseis símios, humanos e de outros mamíferos, todos juntos. Em 1913, em um sítio próximo foi encontrado uma mandíbula de macaco com um dente canino que foi considerado como sendo de um humano. A comunidade de paleoantropologistas da Grã Bretanha aceitou a ideia de que o fóssil pertencia a uma única criatura que tinha o crânio de um humano e a mandíbula de macaco. Em 1953, o então chamado "Homem de Piltdown" foi exposto como sendo uma farsa. Tratava-se de um crânio moderno e o dente da mandíbula havia sido implantado.

Para todos aqueles que são céticos em relação à ciência, tal como Charles Fort e os Forteanos, tais episódios como o de Piltdown são tidos como provas de que a ciência é, mais ou menos, uma farsa. Para todos aqueles que possuem um entendimento um pouco melhor acerca da natureza dos limites da ciência, o episódio do "Homem de Piltdown" nada mais é do que uma pequena tomada errada de caminho dentro de uma série de estradas que, apesar dos inúmeros desvios, eventualmente acaba nos conduzindo em direção ao destino certo.

Como tantos cientistas foram enganados? Stephen Jay Gould oferece várias razões para isso, entre elas, wishful thinking e preconceito cultural. A última, sem dúvida, imperou na falta de senso crítico entre os paleoantropologistas britânicos. Mas, acima de tudo, a farsa de Piltdown demonstra a falibilidade do conhecimento científico. Isso demonstra, também, o modo como teorias e fatos se relacionam na ciência. As teorias são os filtros através dos quais os fatos são interpretados (Popper). Teorias tentam explicar e fazer com que os fatos façam sentido. Por outro lado, fatos são usados para testar teorias. Gould nota que hoje um crânio humano com uma mandíbula de macaco pode ser considerado extremamente implausível e improvável. Mas no começo do século passado os antropólogos estavam impregnados de preconceito cultural, o qual considerava o grande cérebro humano como um bilhete para o poder, a principal característica evolutiva que tornou possível ao homem desenvolver todas as suas outras características peculiares. Desde então houve uma noção preconcebida de que o cérebro humano deve ter se desenvolvido em direção ao seu tamanho médio atual antes que outras mudanças tenham ocorrido na estrutura humana. Um crânio humano com uma mandíbula de macaco não teria despertado tanta suspeita da mesma forma como desperta hoje em dia. As descobertas de fósseis, desde Piltdown, mostram claramente uma progressão de hominídeos não-símios de cérebro pequeno e eretos até humanos eretos de cérebro grande. De acordo com Gould, os cientistas "modelaram os fatos" e confirmaram a sua teoria, "outro exemplo de que a informação sempre nos alcança através de fortes filtros de cultura, esperança e expectativa" (Gould 1982, p. 118). Uma vez formulada a teoria, nós vemos o que cabe na mesma.

O principal motivo pelo qual o "Homem de Piltdown" não foi desmascarado como uma fraude mais cedo foi que os cientistas não tiveram permissão para acessar as evidências, as quais foram mantidas seguramente confinadas no Museu Britânico. Para focar a atenção examinando os "fatos" de maneira mais minuciosa, com todos os cuidados para descobrir a fraude, os cientistas não tiveram sequer a permissão para examinar as evidências físicas! Eles tiveram que examinar moldes de gesso e ficar satisfeitos em contemplar rapidamente os originais para justificar a reivindicação de que os moldes eram fidedignos.

Outra razão pela qual alguns cientistas foram levados ao engano foi porque provavelmente não estava em sua natureza considerar que alguém pudesse ser tão malicioso ao ponto de se empenhar em tamanha trambicagem. De qualquer forma, um dos principais desdobramentos de Piltdown foi basicamente uma indústria de detetives tentando identificar quem espalhou o boato. A lista de suspeitos inclui:

Charles Dawson, um arqueólogo amador que encontrou os primeiros fragmentos de crânio em Piltdown;

Tielhard de Chardin, teólogo e cientista que acompanhou Dawson e Arthur Smith Woodward (Responsável pela Geologia no Museu Britânico [História Ntaural] em 1912) até Piltodown em expedições onde eles descobriram a mandíbula;

W. J. Sollas, professor de geologia em Oxford;

Grafton Elliot Smith, que escreveu um artigo sobre a descoberta em 1913;

Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes; e

Martin A. C. Hinton, um curador de zoologia na época da farsa de Piltdown. Um tronco com as iniciais de Hinton gravadas foi encontrado em um porão do Museu de História Natural de Londres. O tronco continha ossos manchados e entalhados do mesmo jeito que os fósseis de Piltdown.

A evidência em cada caso é circunstancial e não é muito forte. O que é mais altamente provável é que haverá muito mais livros especulando acerca da identidade do criador da farsa de Piltdown.

A Moral da Farsa de Piltdown

A moral sobre a Farsa de Piltdown é que o meio científico pode cometer falhas e a atividade humana nem sempre toma a direção certa no sentido de cumprir o seu objetivo de entender o funcionamento da natureza. Quando ocorre uma anomalia tal como a descoberta de um crânio humano com uma mandíbula de macaco, alguém já se apressa em tentar encaixar tal anomalia dentro de uma nova teoria, reexaminar a evidência em busca de erros ou interpretações equivocadas, ou mostrar que a assim chamada anomalia não é necessariamente uma anomalia, mas que, de fato, se encaixa na teoria em voga. Seja qual for o caminho escolhido pelo cientista, o mesmo deverá ser guiado mais por esperanças pessoais e preconceitos culturais do que por alguma objetividade mítica caracterizada pela coleção e acumulação de descoloramento, fatos impessoais para serem classificados dogmaticamente dentro de um Teoria Geral da Verdade Objetiva e do Conhecimento.

Mas antes de classificar cientistas como arrogantes fanfarrões fazendo alegações que posteriormente acabam sendo provadas como sendo falsas, e antes de fazer caricaturas da ciência porque a mesma não é infalível, é bom prestar atenção em alguns esclarecimentos acerca da natureza da ciência. Os fanfarrões são aqueles que depositam certeza absoluta onde não há certeza sobre nada; os fanfarrões são aqueles que não entendem o valor e a beleza das probabilidades na ciência. Os arrogantes são aqueles que pensam que a ciência é uma mera especulação só porque alguns cientistas cometem erros, mesmo que sejam erros egrégios, ou até mesmo cometem fraudes para tentar validar seus preconceitos. Os arrogantes são aqueles que não sabem dizer a diferença entre uma hipótese testável e uma não testável e que pensam que uma especulação é tão boa quanto outra. Os fanfarrões são aqueles que pensam que quando ambos, tanto cientistas quanto criacionistas ou quaisquer outros pseudocientistas expõe teorias, cada um está fazendo essencialmente a mesma coisa. Entretanto, todas as teorias não são empíricas, e entre aquelas que são empíricas, nem todas são igualmente especulativas. Ademais, aqueles criacionistas que pensam que a Farsa de Piltdown demonstra que cientistas não conseguem datar ossos com exatidão deveriam se lembrar que os métodos de datação de tais coisas melhoraram bastante desde 1910.  (LINK)

Por causa da natureza pública da ciência e da aplicação universal de seus métodos e por causa do fato de que a maioria dos cientistas não são cavaleiros defensores de seus próprios preconceitos não testados ou intestáveis, da mesma forma que muitos pseudocientistas, quaisquer que sejam os erros cometidos pelos cientistas, eles serão descobertos por outros cientistas. A descoberta será suficiente para colocar a ciência novamente nos trilhos. O mesmo não pode ser dito para os pseudocientistas como os criacionistas, cujos erros não podem ser detectados porque as suas alegações não podem ser testadas apropriadamente. E quando críticos identificam erros, eles são ignorados por crentes sinceros.

Nota: Um outro livro sobre a Farsa de Piltdown foi publicado desde a descoberta do Tronco de Hinton: Unraveling Piltdown: The Science Fraud of the Century and Its Solution, de John Evangelist Walsh (Random House, 1996). O livro aponta o dedo novamente em direção a Dawson.

LINKS SOBRE O ASSUNTO:

livros e artigos

Anderson, Robert B. "The Case of the Missing Link," Pacific Discovery (1996).
Feder, Kenneth L. "Piltdown, Paradigms, and the Paranormal." Skeptical Inquirer 14.4 (1990) 397-402.

Gee, Henry. "Box of Bones 'Clinches' Identity of Piltdown Paleontology Hoaxer," Nature (23 de Maio de 1996).

Gould, Stephen Jay. "Evolution as Fact and Theory," in Hen's Teeth and Horse's Toes (New York: W.W. Norton & Company, 1983).

Gould, Stephen Jay. "Piltdown Revisited," em The Panda's Thumb, (New York: W.W Norton and Company, 1982).

Johanson, Donald C. and Maitland A. Edey. Lucy, the beginnings of humankind (New York: Simon and Schuster, 1981).

Popper, Karl R. The Logic of Scientific Discovery (New York: Harper Torchbooks, 1959).

websites

O Perpetrador de Piltdown, por John Hathaway Winslow e Alfred Meyer

A Página do Homem de Piltdown, por Richard Harter - O site foca principalmente em quem deveria ter sido o responsável pela criação da fraude de Piltdown.

O Homem de Piltdown - A Brincadeira dos Ossos Falsos, por Richard Harter

Piltdown: O homem que nunca foi, por Lee Krystek

O Sítio de Piltdown

Desmascarando Três Boatos, por James Opie

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