sexta-feira, 25 de maio de 2012

Refutando Marcos Eberlin




Duas coisas chamam a atenção já no começo do vídeo que apresenta uma entrevista do criacionista Marcos Eberlin: trata-se de um programa da TV Mackenzie, braço televisivo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, uma reconhecida entidade cristã fundamentalista. Um criacionista dando entrevista em um veículo proselitista é a coisa mais normal do mundo. Mas por que será que ainda não se viu esse tipo de "cientista" apresentando suas ideias em veículos midiáticos científicos notoriamente reconhecidos pela Comunidade Científica? Outra coisa é que o apresentador diz que o doutor Eberlin já teve publicados mais de 300 artigos. Restou falar em quantos desses artigos ele aborda cientificamente a questão de uma determinada entidade fantasmagórica criando o universo a partir do nada. O apresentador não informou realmente quantos artigos com revisão de pares que versam sobre criacionismo já foram publicados por Eberlin.
O apresentador Augutus Nicodemus começa a entrevista abordando um livro intitulado Por que a ciência não consegue enterrar a Deus, de autoria de John Lennox. Nem farei a clássica pergunta "de qual deus ele está falando?" (visto que a humanidade já inventou milhares de deuses ao longo de sua história) porque, obviamente, eles só podem estar falando do deus judaico-cristão, visto que a Mackenzie dificilmente abordaria um livro que tivesse Odin como objeto principal do "ódio" da ciência. Já pelo título, percebe-se que o livro de Lennox trata-se de uma grande perda de tempo. Parece reflexo do coitadismo que atinge a comunidade fundamentalista cristã frente às descobertas científicas que contradizem a sua fé. É o popular "mimimi": "BUÁ! Ciência malvada, quer acabar com a minha fé! Evolução não existe! Evolução não existe! BUÁ! BUÁ!".
Eberlin, obviamente, concorda com o título do livro. Em seguida, afirma que os pioneiros da ciência eram, em sua maioria, crentes. Isso é verdade, mas é irrelevante. A crença de um ou de outro cientista não significa absolutamente nada se ele não conseguir comprová-la através do método científico. Apesar de ser um cientista renomado, Eberlin parece não saber a diferença entre "crença" e "conhecimento". Ou parece ignorar de propósito. Newton acreditava em um deus, mas nunca conseguiu provar cientificamente a existência de tal entidade. Nem ele e nem qualquer outro cientista crente. O que não quer dizer absolutamente que cientistas ateus estejam com razão, mas que a questão da existência de entes invisíveis criadores está fora do escopo da experiência, o que já torna a "hipótese teológica" desprezível pela comunidade científica.
Eberlin cita o ano de 1859 como sendo a data de quando se operou uma certa "mudança de paradigma" dentro da ciência. Não por acaso, esse foi o ano da publicação de A Origem das Espécies, de Charles Darwin. Ele diz que, a partir desse ano, os cientistas passaram a explicar tudo através de "força, matéria e energia". Ele não deixa explícito, mas muito provavelmente, ele quis se referir mesmo ao livro de Darwin. Restou explicar o que a Teoria da Evolução tem a ver com fenômenos explicados a partir do trinômio por ele citado. Ou seja, aqui, Eberlin comete um típico erro criacionista ao misturar biologia evolutiva com física. Nenhuma novidade. Mas ele faz isso não sem propósito, mas para estabelecer a publicação da Origem das Espécies como uma possível data de nascimento do neoateísmo.
Uma pergunta importantíssima do entrevistador Augustus Nicodemus: "Há alguma incompatibilidade entre a ideia de um deus criador e o método científico?". Eberlin responde dizendo que o método científico é "capaz de detectar a ação de uma mente inteligente nesse universo". Mas ele não DEMONSTRA como isso seria possível. Aqui há uma grande chance de Eberlin estar mentindo. Como passar uma entidade fantasmagórica como esse alegado deus pela etapa da experiência, talvez a mais importante dentro do método? Para concluir que uma determinada ação partiu de uma mente inteligente superpoderosa é necessário provar pelo método a existência objetiva dessa mente. Mas como submeter esse deus invisível à etapa da experiência? Provavelmente Eberlin não deve conhecer a proposição do "dragão da garagem".
Eberlin recai na falácia de que a publicação do livro de Darwin significou uma aceitação imediata da Teoria da Evolução por parte da comunidade científica. O que aconteceu foi que as evidências PROVARAM que a Teoria estava certa. Não é uma aceitação cega, como acontece com certas doutrinas religiosas, guiadas por dogmas. Eberlin diz que os cientistas tentam explicar o universo através de força, energia e matéria, mas "não conseguem". Não conseguem, mas estão tentando, através das experiências do Colisor de Hádrons. E o que fazem os criacionistas? Ficam de braços cruzados, repetindo a cantilena "foi deus que fez". Ele não vai além das velhas e surradas "explicações" criacionistas, como por exemplo, a complexidade das informações do DNA, sem sequer sugerir fontes indexadas para estudos sobre a relação da complexidade do DNA e uma possível mente superpoderosa que "desenhou" essa estrutura.
Augustus e Eberlin tentam ridicularizar a evolução através de um espantalho criado por eles chamado "São Tempo, padroeiro da evolução". Com isso, eles parecem querer rebaixar a ciência à condição da religião, ridicularizando conceitos científicos através da comparação dos mesmos com ideias religiosas. Mas não demora para que o químico recaia em mais um típico erro criacionista. Dentro desse espantalho desenvolvido por ele, ele mistura abiogênese com evolução biológica, sendo que a Teoria da Evolução não se propõe a explicar a oigem da vida e sim os processos evolutivos que se operam nas espécies através da seleção natural. Não se sabe se Eberlin faz isso por ignorância ou por desonestidade intelectual.
Outra alegação de Eberlin: "A ciência tem limites". Mas será que isso reflete a realidade? O que teria realmente limites: A ciência ou a capacidade de cognoscibilidade do ser humano? O que teria realmente limite: a ciência ou o método científico? A ciência é o objetivo a ser provado e o meio pelo qual se chega ao conhecimento científico é a observação, a análise e a experiência. É possível submeter algo sobrenatural aos rigores do método em todas as suas etapas? Pelo que Eberlin fala neste vídeo, parece que sim. Só que se isso fosse verdade, ele já teria recebido o prêmio Nobel. Provar a existência de uma realidade sobrenatural seria algo realmente revolucionário, mas até hoje ninguém conseguiu provar. Ou seja, o químico se enrola para tentar justificar racionalmente a sua fé. E já que ele deprecia tanto a ciência, por que ele se formou em química e se tornou um cientista? Pelas declarações dele, ele dá a entender que a religião é superior.
Mais uma do químico: "Nós somos matéria, alma e espírito". Há pouco de ciência nessa afirmação. Em geral, os criacionistas gostam de se escorar na subjetividade da filosofia, sendo que a ciência trabalha com dados objetivos. Como não conseguem provar objetivamente as suas alegações, os criacionistas se apegam a argumentos filosóficos bastante questionáveis. Eberlin afirma ter uma "fé racional", alicerçada em "filosofia da mais alta qualidade". Mas essa é uma posição dele, e ele se esquece de falar de que a metafísica é irrelevante para a maioria da comunidade científica. A ciência é objetiva e conceitos metafísicos e teológicos nada têm de objetividade. Há um excelente texto escrito pelo biólogo Richard Dawkins intitulado A Inutilidade da Teologia que explicita bem a diferença entre a subjetividade de argumentos filosóficos e teológicos e a objetividade de conceitos científicos verificáveis empiricamente.
Por fim, Eberlin declara: "A percepção de que essa mente inteligente existe está em todos. Na realidade, a gente tenta negar, mas no fundo a gente sabe que essa mente existe." Essa é uma falácia de pressuposição. Ele pode, no máximo, falar por si próprio. Como ele pode provar que "todos" tem essa percepção? E a postura de negar é tão ingênua quanto a postura de afirmar que essa tal "mente inteligente" possua existência objetiva. Eberlin afirma isso como uma crença, pois não apresenta provas. Ele tem todo o direito. Mas, como cientista, ele não poderia, em tese, elevar uma simples crença à condição de conhecimento científico, o que é o erro crasso do criacionismo, que coloca tal proposição na vala das pseudociências. Sobram argumentos filosóficos e faltam provas que atestem o tal "desenhista inteligente". Como argumentos não significam nada para a comunidade científica, onde o que vale são apenas as evidências, os ataques do cientista Eberlin contra a ciência carecem de credibilidade.
Para encerrar, Marcos Eberlin afirma que há um "pacto" entre os integrantes da comunidade científica para "negar" o sobrenatural. Restou falar como é possível negar ou afirmar algo de existência duvidosa como essa alegada "realidade sobrenatural". Aqui, a falácia cometida pelo químico é a de petição de princípio, pois ele já parte da ideia de que o sobrenatural REALMENTE existe, sendo que não há provas que sustentem essa afirmação. Nem é preciso dizer que, se algum cientista realmente já tivesse provado a existência de alguma realidade que pudesse ser considerada sobrenatural, o mesmo já teria recebido o seu merecido prêmio Nobel. E outra: esse argumento do "pacto dos cientistas contra deus" parece mais uma daquelas "teorias da conspiração", sustentadas ingenuamente por fanáticos religiosos, como a hilária conspiração da "nova ordem mundial", supostamente arquitetada de forma maquiavélica por maçônicos e iluminatis. Ou seja, um comportamento pouco científico para um cientista tão renomado.

Links sobre Marcos Eberlin:
5 Criacionistas Desonestos do Brasil

http://www.paulopes.com.br/2012/04/pregacao-de-quimico-evangelico-contra.html

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