segunda-feira, 22 de julho de 2013

As Manifestações Populares de Junho de 2013 no Brasil




O pronunciamento da presidente Dilma a respeito das manifestações de junho de 2013 não foi muito incisivo. Em primeiro lugar, a Dilma nunca teve aquela imagem forte de estadista. Em seu pronunciamento na televisão, numa sexta-feira, ela dividiu os manifestantes em "do bem" e "do mal", e disse que vai dialogar com os manifestantes pacíficos. De uma forma geral, o depoimento da Dilma foi bem fraco e formal. Não teve nenhuma novidade e não ficou à altura do que está acontecendo nas ruas. Um depoimento em que ela reproduz o que os grandes veículos da mídia vêm divulgando, praticamente o que os editoriais dos grandes jornais impressos vêm alardeando.

Ao dizer que quer se reunir com os líderes do movimento, Dilma toma uma atitude inócua, pois ela chamou de líderes aqueles que não reconhecem a si mesmos como líderes. E, por outro lado, eles não podem ser líderes mesmo, porque o movimento extrapolou enormemente quaisquer tentativas que eles pudessem ter, tanto de representação quanto de controle. Isso aconteceu porque o movimento acabou incorporando um sem número de adesões que refletem o zeitgeist. Antes destas manifestações em 2013, como é que as pessoas se reuniam para participar de manifestações e para divulgá-las? Como se dava o processo de construção de uma manifestação? Através de dinâmicas institucionais muito claras: partidos, sindicatos, organizações previamente constituídas (basta lembrar de como começou a luta pela Anistia).

Antes do advento da internet e dos sites de relacionamento, qualquer tipo de engajamento tinha que necessariamente passar por algum tipo de dinâmica institucional, entendendo-se aqui o termo "institucional" como "pré-organizado", onde a pessoa, quando entra no processo, recebe um repertório, um legado, uma ordem (ordem no sentido de organização). Ela se encaixa em algo que está previamente instituído, que está institucionalizado. Hoje em dia, na era das Redes Sociais, vivemos exatamente o oposto: a institucionalização, se vier, virá depois. E o fato de não ter uma liderança se reflete na própria dinâmica da organização do movimento, pois a internet transforma um pouco essas práticas de comunicação em uma espécie de assembleia contínua: todo mundo fala o que quer, não tem um centro.

O fato de não ter uma ordem estabelecida faz com que o movimento acabe quase que de uma forma espontânea. A dimensão do instinto está muito mais presente do que a dimensão do pensamento. No que diz respeito à maioria das pessoas, sabemos que a relação com a internet é muito espontânea, instintiva, pouco reflexiva, e isso dificulta um pouco o processo. Quando a Dilma convoca os líderes do movimento, a impressão que dá é a de que ela desejasse que houvesse líderes. É como se a presidente realmente desejasse que houvesse por parte desse movimento de jovens revoltados com cobranças abusivas no transporte público uma liderança capaz de representar institucionalmente esse movimento.

Ao falar de corrupção e reforma política, Dilma pega aquilo que há de mais frágil nesse movimento e tenta canalizar em proveito próprio. A atitude de sair nas ruas e gritar que é contra a corrupção é inofensiva, pois não é assim que se combate a mesma. Contra a corrupção todos somos. Mas a corrupção é uma dinâmica institucional e o que precisa ser feito em relação a isso é uma mudança institucional. A corrupção só é um problema moral no momento em que você se indigna com ela. Depois, ela não é mais um problema moral, já passa ser um problema da ordem institucional do país. E a reforma política, se for isso que está em pauta há anos no Congresso, não vai adiantar em nada.
A única reforma política que pode dar certo no Brasil é acabar com a reeleição para os cargos legislativos como acontece hoje em dia no Brasil porque ela permite que se perpetue a classe política, transformando em profissão aquilo que deveria ser apenas representação, possibilitando essa excrescência que é o carreirismo político. 

O assassinato que aconteceu em Ribeirão Preto (SP) é algo que não pode voltar a acontecer. A população dá uma representação aos manifestantes. Mas essa mesma população pode retirar essa representação. A população pode chegar a um momento em que pode ficar irritada com esses bloqueios nas ruas. E aí pode ter violência. É muito difícil pensar num tipo de manifestação dessa magnitude e não pensar que não vá ocorrer algum tipo de violência como essa que ocorreu em Ribeirão Preto.

No que se refere às autoridades públicas, não foram só elas que tiveram que recuar em suas posições. Houve poucas pessoas que não precisaram trocar de posição. As pessoas foram mudando de posição, a mídia foi mudando, os governos foram mudando. Primeiro, porque as pessoas foram sendo recebidas de maneira muito conservadora. As manifestações foram assim recebidas. Depois, porque as manifestações acabaram tomando um impulso que não se esperava porque as autoridades acabaram reprimindo no início. O Alckmin botou a tropa de choque nas ruas e o José Eduardo Cardoso ofereceu reforço federal. O governador botou nas ruas uma PM fora de controle que atirou com balas de borracha e jogou bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral em manifestantes pacíficos.

O prefeito da cidade de São Paulo, Fernando Haddad, por sua vez, perdeu toda a autonomia que teria como prefeito da maior cidade do país porque ficou a reboque de um acordo político mal alinhavado com o governo do estado, e depois ficou sem autonomia para agir. E, no final, o recuo que ele fez foi típico de um governo sem alguma autonomia. Ao se renderem às reivindicações do movimento, as autoridades públicas não deram uma demonstração cabal de que reconhecem a democracia, pois foram pressionadas pela situação. E, por outro lado, também ficam devendo explicações sobre por que houve o aumento das passagens de ônibus, já que eles voltaram atrás.

O DATAFOLHA fez uma pesquisa entre os manifestantes sobre quem seriam os candidatos preferidos à presidência da República. O Joaquim Barbosa foi mencionado por 30% dos entrevistados contra 22% da ex-senadora Marina Silva e com 10% da Dilma, que está em terceiro lugar. O Aécio Neves está em quarto lugar, com 5%, e o Eduardo Azevedo está em quinto lugar, com 1%. O resultado dessa pesquisa é sintomático. A pesquisa foi realizada no cerne das manifestações, e, lá, uma das principais reivindicações foi a luta contra a corrupção. Por isso, é muito normal que em primeiro lugar apareça o "xerife" nessa luta contra a corrupção, porque o Barbosa está fortemente associado ao combate contra os mensaleiros.

Em segundo lugar, vem a Marina Silva, que passa a imagem de que é uma pessoa "do bem", que ela pode fazer uma ponte entre o alto empresariado e a classe C. Então essa pesquisa parece refletir tanto a expectativa quanto a ingenuidade, porque o Joaquim Barbosa sequer é candidato, ele nem é político. Com relação à presença dos políticos nesses eventos, as manifestações são assim mesmo. Nem toda manifestação que acontece em qualquer lugar precisa ser necessariamente e imediatamente aceita. Assim como toda a população foi se moldando e dando representação aos manifestantes, a polícia também está se saindo muito bem, pois no dia 13 de junho foi muito violenta e depois recuou. Esse é o jogo democrático.

No que concerne à pesquisa do DATAFOLHA, devemos lembrar que não foi por acaso que o Barbosa apareceu, porque a pesquisa foi estimulada. Havia lá uma lista exatamente com os nomes. Não é que as pessoas lembraram do Barbosa. É que, entre os nomes citados, 30% das pessoas entrevistadas escolheram o nome do Barbosa. Isso é reflexo do movimento em si mesmo, porque é um movimento totalmente ao arredio da ordem instituída. A ordem instituída é representada pela Dilma, pelos tucanos, pelo Aécio, no caso, que ficou mal na pesquisa, com 5%. E quais são os nomes que aparecem aí e que estão fora da ordem instituída, ou seja, fora do status quo? Os nomes do Barbosa e da Marina. Foi um lance bem sacado da Folha fazer isso para mostrar o perfil plural, o perfil aberto do tipo de pessoa que participa desse movimento. O movimento conseguiu reunir coisas muito díspares, muito diferentes.

No começo das manifestações, víamos a mídia ser contra o movimento. A mudança de posição foi devido ao grande número de adesões que o movimento passou a ter. A posição contrária se dava em relação ao vandalismo. Mas há muita controvérsia em relação ao uso dessa palavra "vândalo". Isso não contribui para um entendimento sobre o que está acontecendo. O sujeito que matou o estudante em Ribeirão Preto não é vândalo. Ele é um sujeito orientado, que estava sozinho e contra o movimento. Ele não estava envolvido pelo movimento. As pessoas não estavam atrapalhando o trânsito em Ribeirão Preto, elas estavam ocupando as ruas. A coisa já estava tão massiva que já não eram apenas três ou quatro atrapalhando o trânsito. Eram milhares de pessoas no meio da rua, o cara resolveu acelerar e matou uma pessoa. Ele é um criminoso, ele não é um vândalo. E ele não é alguém que estava no movimento.

A moça que morreu no Pará morreu por causa de uma bomba da polícia, e também porque ela era hipertensa, a bomba explodiu perto dela, ela tomou um susto com a explosão e morreu. Há vândalos no meio do movimento, mas ainda não é possível conhecer o percentual exato de vândalos que existem no movimento. Porque há outros que não são vândalos, são manifestantes violentos, o que é totalmente diferente. Por exemplo, o estudante de arquitetura que depredou a fachada da prefeitura de São Paulo, ele não é vândalo. Ele é um estudante de arquitetura que trabalha ao lado do pai. Ele não é alguém que está solto no mundo e aproveita o movimento para vandalizar. Ele não é alguém que está ali sem propósito.

Em Porto Alegre há um grupo anarquista que pensa que tem que quebrar tudo por posição política. Isso acontece porque eles acham que é só quebrando tudo que eles vão chamar atenção para o movimento. Aquele que acelerou o carro e matou o estudante em Ribeirão Preto não é um vândalo, é um bandido; porque ele não era manifestante. Por outro lado, temos que reconhecer também que o uso da violência por parte de alguns manifestantes abre uma brecha para o uso da violência de outro lado. A manifestação em si é uma interrupção da ordem político-social que, pela extensão e pela quantidade que revelou, significa uma crise de representação política que se impôs como um problema de pauta nas relações sociais e políticas. Agora, as manifestações de violência, seja de um cara que pegou carona nessa onda e quer descolar um i-phone de graça, seja de um anarquista ou seja lá o que for, a extensão da supressão da ordem pública, abre espaço, ao longo do tempo, necessariamente, para aumentar a violência.

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